terça-feira, 27 de outubro de 2015

os enamoramentos

As metáforas conjugais também são as minhas preferidas. Serão, porventura, mais difíceis do que as outras porque expõem impiedosamente a incapacidade analítica (e relacional) de quem as profere. O Javier Marías saberia dizer umas coisas sobre esta matéria. Elaborou-as particularmente bem em “Os enamoramentos” que li perto do osso, orgulhosamente, no original em castelhano, mas também em "Coração tão branco". Na nossa imprensa, que na opinião é ainda muito dominada por homens, as metáforas conjugais são fraquinhas e um entendimento político a três vai demonstrar a fragilidade do pensamento, da linguagem (e das relações) de tantos pobres cronistas. Será uma altura divertida para psicoterapeutas lerem jornais. Temos, felizmente, a Ana Sá Lopes, que criou uma personagem para que a metáfora relacional aplicada à política tenha até um nome, Vanessa. Mas eu que adoro a Vanessa desde a primeira hora – e na primeira hora eu andava na faculdade e devorava a coluna ‘Pão e Rosas’ da Ana Sá Lopes enquanto me enterrava nos sofás da cafetaria Continental – comovo-me mesmo com os textos em que a Vanessa fica de fora. Recordo um texto, num fim de ciclo político qualquer, em que a Ana Sá Lopes comparava o arrastar desencantado desses tempos com o último ano de um casamento, quando os dois empurram o carrinho no hipermercado, entorpecidos mas cientes, levando ainda para a frente a familiaridade do gesto. E se houve tanta beleza num texto sobre o fim, imaginemos o que pode ser escrito sobre o princípio.

Portanto, ao contrário desta tese, só vejo boas perspetivas metafóricas num entendimento político a três. Virão as inevitáveis brejeirices, sim, mas à altura das melhores penas estará esse momento - não de uma adorável paixão de liceu ou do fim de uma relação infeliz – do novo e nunca feito. O inédito tem um enorme potencial conjugal. E metafórico.

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