terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
“Utilizei o resto do papel e o verso para mudar a minha assinatura. Desde há algumas semanas sentia necessidade disso. Obviamente não continuara sempre a mesma com o passar dos anos, mas isso só era notável a grandes intervalos. Quando era uma rapariga tinha-a mudado radicalmente três vezes; tinha mantido a ultima versão e esta tinha-se transformado num arabesco veloz na forma de um pássaro voando. Agora voltei a sentir necessidade de algo legível, escolar se fosse preciso. Evidentemente também teria de manter a anterior, pois estava registada no banco e figurava no cartão de identidade dos meus cheques e no meu passaporte.
Também fui ao cabeleireiro e pedi para rapar o cabelo”.
Como é que em “Duas mulheres” (editorial Teorema), Harry Mulisch consegue escrever como uma mulher? Porque escreve bem. Da mesma forma que Chico Buarque escreveu “Atrás da Porta” para Elis Regina – que não foi uma mulher qualquer. Ou sobretudo, da mesma forma que Chico escreveu “Bárbara”. Quando é o próprio Chico a cantar os poemas que escreve a partir da voz interior de uma mulher eles continuam a ser completamente credíveis. Porque são bons. Porque ele sabe escrever. Parece tão fácil, como Fred Astaire e Ginger Rogers a dançar. Quando é bom parece fácil. E quando é bom não há género.
A discussão em torno da existência de uma escrita feminina parece mover o eixo do essencial, que é, obviamente, a qualidade da escrita. A “sensibilidade” feminina é apenas um artifício para emparedar as mulheres em tarefas e lugares que se querem só delas. Na Grécia Antiga tinha um nome. Gineceu. Agora que deixou de ser uma divisão da casa, sabíamos reconhece-lo.
P.S. - Por motivos profissionais, adotei hoje o acordo ortográfico que até 2016 teremos todos que seguir. As palavras não ficaram melhores nem piores. Interessa, claro, que sejam boas.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário