"E sei agora que quem é forte e
firme de coração e de alma é o senhor dos outros! E que quem ousar muito terá
sempre razão. O que for capaz de cuspir mais longe será o legislador e o que se
atrever mais do que os outros terá mais razão do que os restantes. Foi sempre
assim e sê-lo-á. É preciso ser-se cego para não o ver.
Ao dizer isto, Raskolnilov olhava
para Sonia, mas já não se importava que ela o compreendesse ou não. A febre
apoderara-se inteiramente dele; estava num estado de grande excitação. Há já
tanto tempo que não tinha auditório! Sonia percebeu que esse catecismo de
amargura se tornara a fé e a lei do seu companheiro.
- Compenentrei-me, Sonia –
continuou, sempre excitado -, que o poder pertence somente a quem ousa
agarrá-lo. Existe apenas uma condição: ousar! E então acudiu-me uma ideia que não
ocorrera ainda a ninguém. Tornou-se-me claro como água que nenhum homem, até
esse momento, saltando por cima de todos os absurdos, conseguira uma
oportunidade… para a desprezar em seguida. Eu quis ousar, e matei. Só quis
ousar, nada mais".
Dostoievski, "Crime e Castigo",
Editorial Estudios de Cor, Lisboa, 1968, tradução de Maria Franco
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