quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

ousar

"E sei agora que quem é forte e firme de coração e de alma é o senhor dos outros! E que quem ousar muito terá sempre razão. O que for capaz de cuspir mais longe será o legislador e o que se atrever mais do que os outros terá mais razão do que os restantes. Foi sempre assim e sê-lo-á. É preciso ser-se cego para não o ver.

Ao dizer isto, Raskolnilov olhava para Sonia, mas já não se importava que ela o compreendesse ou não. A febre apoderara-se inteiramente dele; estava num estado de grande excitação. Há já tanto tempo que não tinha auditório! Sonia percebeu que esse catecismo de amargura se tornara a fé e a lei do seu companheiro.

- Compenentrei-me, Sonia – continuou, sempre excitado -, que o poder pertence somente a quem ousa agarrá-lo. Existe apenas uma condição: ousar! E então acudiu-me uma ideia que não ocorrera ainda a ninguém. Tornou-se-me claro como água que nenhum homem, até esse momento, saltando por cima de todos os absurdos, conseguira uma oportunidade… para a desprezar em seguida. Eu quis ousar, e matei. Só quis ousar, nada mais".



Dostoievski, "Crime e Castigo", Editorial Estudios de Cor, Lisboa, 1968, tradução de Maria Franco

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