segunda-feira, 23 de maio de 2016

cemitérios

O José Luís Peixoto sabe escrever sobre terrinas a despedaçarem-se. Terrinas com rosas na tampa, terrinas que acumulam coisas lá dentro, porque são de enfeitar, de estar no centro das mesas todos os dias. As terrinas sem sopa que se compram na feira da Luz e antes pergunta-se “é a quanto?”. Não sei quando foi a última vez que li na minha língua uma coisa assim. Li noutras. Vem-me à cabeça a Toni Morrison, em “Beloved”, e talvez tenha pouco a ver, mas é o que me lembro. Li noutras línguas. Mas é na materna que consola. Ou escacava tudo à frente? É na materna que mais espanta, será? Não é a mesma coisa ler do inglês ou ler na língua mãe sobre um pai que chega da taberna cambaleante, um pai que parte os pratos da sopa ou a terrina sem sopa. E as alegrias de se surpreender uma cadela a parir cãezinhos dentro de um piano numa oficina em Benfica. E o cheio de quando se mata uma galinha. O cheio aquoso de quando está quase, a ânsia cansada de uma canja. 


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