Há tempos uma vendedora de
telemarketing ligou-me para saber se eu estava interessada numa coleção de
livros sobre as rainhas de Portugal. Percebi pela conversa que deviam ser as
mulheres dos reis porque a senhora introduziu a mais-valia das obras dizendo
que elas influenciavam muito os maridos. Declinei, agradeci e desliguei. A morte
de Maria de Jesus Barroso foi assinalada na imprensa portuguesa com trabalhos
de fundo ou até em pequenos apontamentos narrativos que partem da mesma lógica
daquela trabalhadora de telemarketing. Não é só o ‘por de trás de um grande
homem está sempre uma grande mulher’, é apresentar uma mulher que foi
tantíssimas coisas por direito e de moto próprio como alguém que viveu nos
bastidores e neles influenciou decisões políticas. Se a primeira frase é
condescendente, paternalista e, como disse a jornalista Barbária Baldeia nas
redes sociais, tantas vezes mentirosa, a segunda construção, parente da
primeira, talvez consiga ser mais desprezível. É que mesmo quando envolta num
manto de bondade, insiste em apresentar as mulheres como uma espécie de cobras
na sombra, que conspiram, mesmo que para o bem, e levam a sua avante, mesmo que
abdicando e sacrificando-se. É uma doença narrativa. E tem de acabar. Temos de
começar a pensar nas imagens que veiculamos quando escrevemos. Estas representações
do ‘feminino’ não são apenas machistas, misóginas, foleiras e de mau gosto, são
irresponsáveis. Maria Barroso foi combatente antifascista, fundadora do PS, foi
deputada, foi atriz, declamadora, pedagoga, ativista pelos direitos humanos, liderou
a fundação Pro Dignitate. Tenhamos o devido apego aos factos e, depois de os termos bem
presentes, contemos histórias interessantes.
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