terça-feira, 7 de julho de 2015





Há tempos uma vendedora de telemarketing ligou-me para saber se eu estava interessada numa coleção de livros sobre as rainhas de Portugal. Percebi pela conversa que deviam ser as mulheres dos reis porque a senhora introduziu a mais-valia das obras dizendo que elas influenciavam muito os maridos. Declinei, agradeci e desliguei. A morte de Maria de Jesus Barroso foi assinalada na imprensa portuguesa com trabalhos de fundo ou até em pequenos apontamentos narrativos que partem da mesma lógica daquela trabalhadora de telemarketing. Não é só o ‘por de trás de um grande homem está sempre uma grande mulher’, é apresentar uma mulher que foi tantíssimas coisas por direito e de moto próprio como alguém que viveu nos bastidores e neles influenciou decisões políticas. Se a primeira frase é condescendente, paternalista e, como disse a jornalista Barbária Baldeia nas redes sociais, tantas vezes mentirosa, a segunda construção, parente da primeira, talvez consiga ser mais desprezível. É que mesmo quando envolta num manto de bondade, insiste em apresentar as mulheres como uma espécie de cobras na sombra, que conspiram, mesmo que para o bem, e levam a sua avante, mesmo que abdicando e sacrificando-se. É uma doença narrativa. E tem de acabar. Temos de começar a pensar nas imagens que veiculamos quando escrevemos. Estas representações do ‘feminino’ não são apenas machistas, misóginas, foleiras e de mau gosto, são irresponsáveis. Maria Barroso foi combatente antifascista, fundadora do PS, foi deputada, foi atriz, declamadora, pedagoga, ativista pelos direitos humanos, liderou a fundação Pro Dignitate. Tenhamos o devido apego aos factos e, depois de os termos bem presentes, contemos histórias interessantes. 

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