Deitei-me mesmo antes do anúncio
de melhor filme, pressentindo o desfecho. “Birdman” é um filme notável, mas não
é “Boyhood”, a vida com as parte chatas, feita amor e resistência. A vida como
ela é, como o realizador Richard Linklater insiste em devolver. Já tinha sido
assim com a trilogia que começa com “Antes do Amanhecer”, a minha geração a
crescer com os episódios da vida, como ela é, como poderia ter sido, nós em
espelho, desdobrados, a abandonar salas de cinema no desejo do cigarro em que
concluímos, isto é a vida, e eles conseguiram-no outra vez. Eles. Porque as
obras de Linkater são profundamente coletivas. Os atores fazem o filme com o
realizador e é também assim que a vida fica ali.
Ao aceitar o óscar,
merecidíssimo, como o foi o de Julianne Moore, Patricia Arquette foi só a vida,
a real, como se costuma dizer. Pedir igualdade salarial entre homens e mulheres é pronunciar o
óbvio, que de tão óbvio passa não dito. Nas sociedades mais desenvolvidas, as
mulheres estão longe da igualdade e isso é mensurável da forma mais simples:
ganham menos e trabalham o mesmo. Que Patricia Arquette o tenha dito de óculos
de leitura postos, ligeiramente despenteada, é só mais um presente. Para nós,
que também ligeiramente despenteadas, mais ou menos voluptuosas, a
ver os óscares, de pijama e óculos, a olhar para magreza alheia vestida de
Ralph Lauren (Gwyneth Paltrow num vestido mesmo inesquecível). Desta vez, olhámos
para Patricia Arquette. E erámos nós.
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