"Aceitar falar para uma parede é
uma inevitabilidade colocada pelas coisas grandes da vida: o amor e a amizade,
a descoberta e a transmissão do conhecimento, a organização da vida comum ou o
caminho do crer. E pode-se resumir assim: onde quer que a relação se jogue, e
quanto mais decisivo for o seu âmbito, debatemo-nos com a evidência difícil e necessária
de que cada um de nós, em algum momento, falará para uma parede.
A semântica da parede não é
obrigatoriamente negativa. O seu significado aproxima-nos da excedência da vida
que fica sempre a rir-se das pretensões que tecemos de conhecimento e de
domínio a toda a linha. Ela põe a um dos componentes com que a relação tem de
contar: a impossibilidade muitas vezes de chegar ao outro ou de chegar da forma
perfeita que idealizamos. Os pais que desesperam com os filhos adolescentes (ou
o contrário), os professores que ao concluir de uma aula saem com a sensação de
não terem sido minimamente escutados, os que se pensavam familiares e que, no
desencadear de uma situação mais crítica, se reconhecem, com surpresa, afinal,
estranhos esbarra, contra esse muro. Certamente muitas coisas deverão ser
feitas, mas nessa circunstância há uma verdade que somos chamados a aprofundar:
que todo o nosso conhecimento é atravessado por uma incompletude, um limite, e
que o saber não pode ser colocado à cabeça como condição de sentido. A vida é
um laboratório de humildade, onde as nossas perspetivas se refazem
continuamente. Pois ela expressa-se de forma contrária à clonagem e ao
decalque, não avança imutada e repetida, não se revê em mimetismos. Tem o seu
modo irredutivelmente singular e próprio de construir-se; conta que se possa
interagir, como tudo o que é vital, em diálogo livre com a subjetividade;
aceita os hiatos, a demora e a diferença; fala às paredes. (…)
Poder-se-ia apressadamente julgar
dirigir a voz para um obstáculo é, de si, um ato inútil. Mas contra as paredes
a voz do amor ressoa. Isto é: revela-se como coisa que não desiste de manifestar-se."
Excerto de “Eu falo às paredes”, José
Tolentino Mendonça, na Revista do Expresso de 24 de janeiro de 2015
Este foi um fim de semana muito
bom. Têm sido. Tenho tido essa graça e estou muito grata. Do que nele coube, guardo
também esta crónica lida na bomba de gasolina, num descanso das pernas
cansadas, latejantes e felizes.
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