sábado, 31 de janeiro de 2015

1993



Levanto-me do cinema e oiço uma pancada seca que ecoa ligeiramente. ‘Pa-pa-pa-pa’. Olho para baixo e a cadeira não se mexeu. Já não há cadeiras rebatíveis nos cinemas. Se há, onde estão? Sei onde estiveram. Auditório Damião de Goes, cinema municipal aos fins de semana. Sexta, sábado e domingo às 21:30, domingo às 16:00. Depois de obras demoradíssimas, havia cinema outra vez e estava sempre cheio, às vezes esgotado. À entrada, um frenesim de motas e carros. Os rapazes das ‘famel’ e ‘casal boss’, os pais a deixarem as filhas, muitos ‘vrrums’ e ‘até logo’. Eu ia a pé, era perto. Uma sala enorme com cadeiras laranja rebatíveis. Os bilhetes para o balcão eram mais caros. Cinquenta escudos mais caros? Dois bares, um para o balcão outro para a plateia, serviam bebidas e ‘snacks’ durante o intervalo, julgo que necessário para mudar de bobine. Os filmes maiores tinham dois intervalos, o que corrobora a teoria desta memória que sei estar a perder.
O senhor da bilheteira escolhia os filmes e antecipava a vinda dos próximos com pequenas frases enigmáticas que eu não entendia bem. Os seus ‘teasers’ manifestamente não me faziam soar campainhas. Era indiferente, eu via todos os filmes. Ao início, todos os que me deixavam, depois todos mesmo, e mais tarde o meu ‘bom gosto’ foi encolhendo a seleção, numa viagem inevitável e triste. A fase de ver tudo foi, claro, a melhor.
Tem um coração, esse período. O ano de 1993. Tropeço na internet em “Proposta Indecente”, a Demi Moore a fazer amor com o Robert Redford numa cama cheia de notas de dólar ao som de Sade, “this is no ordinary love”. Os anos 1990 produziram imensas coisas daquelas e eu tenho saudades e não consigo explicar. Tropeço na referência ao filme e vou verificar. 1993. Outra vez.
Acontece o mesmo com outro ano, com outros filmes, com outros cinemas. Penso que tenho a certeza, vou verificar e fico feliz. A memória ainda não me apanhou aqui. 1996, “Trainspotting”, de Danny Boyle, Cinema Monumental. Não me quero contentar com o consumo, com a vida a passar numa televisão enorme, mas a heroína também não é uma opção. Não sei como resolvo isto. Resolvo (resolvi?) a ler e ir ao cinema. 1996, Cinema King, “Breaking the waves”, de Lars Von Trier. Começo a chorar no capítulo dividido pela música de David Bowie e continuo a chorar. Choro no comboio para a casa. Quero acreditar que nunca me vou esquecer que chorei interruptamente. Um enorme e prodigioso plano-sequência. Até aqui, sentada, a tentar lembrar. 

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