terça-feira, 14 de outubro de 2014

o véu e o gatilho



A liberdade criativa deve ser um dado adquirido. A criação estar sujeita à crítica e à discussão públicas é outra coisa que deve ser um dado adquirido numa sociedade democrática. Filipe Faísca, no uso da sua liberdade criativa, apresentou na ModaLisboa uma coleção em que as mulheres estão com a cara coberta por um véu. Uma pesquisa de notícias mostra a neutralidade com que este aspeto foi tratado pela imprensa. Nalguns casos, o elemento ‘véu’ está ausente de um relato que se destina quase exclusivamente a informar o que pessoas, neste caso, mulheres, levam vestido. Não é só o peso que as questões de género (não) têm nas decisões editoriais, é simplesmente não ver a notícia, é falhar um ‘lead’. Costumo ter pudor em articular estas afirmações, mas este caso é flagrante: é mau jornalismo. Em pleno combate ao Estado Islâmico uma fila de mulheres de lenço no rosto parece não ter intrigado ninguém. Uma fila de mulheres com os rostos cobertos por véus não puxou o gatilho do pensamento de ninguém? Quase ninguém. A exceção de que dei conta foi o Diário de Notícias, que na segunda-feira chamava o assunto à primeira página: "Estilista usa véus na ModaLisboa mas recusa intenção pública". Filipe Faísca recusa o que quiser, eu recuso esta coleção.

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