Deixei o trilho e subi a pequena elevação
de terra e relva fina e deparei com o homem que lia à sombra da ponte Vasco da
Gama. Se alguém vai correr para ali, também pode ir ler para ali, parecia dizer
o nosso espanto um ao outro. O sítio é fresco, como senti logo nos pés, aliviados
subitamente por um orvalho que atravessou os ténis, um alento no calor absurdo
de quase novembro. O homem estava sentado numa cadeira de praia, daquelas às
quais a portabilidade retirou muito pouca dignidade, ao ponto de serem ainda,
de facto, cadeiras. Tinha encaixado entre o colo e o braço da cadeira um jornal
ou vários. A cabeça curvada de lado, num gesto que é uma graça moldada pela sobreposição
do tempo com o tempo passado a ler. Ergueu ligeiramente a cabeça, momento concedido
ao tal pequeno espanto quando me viu, e voltou à leitura de Piketty, a edição portuguesa
acabada de sair de “O Capital do século XXI”. Eu não tive outro remédio que não
fosse continuar a correr com o fresco nos pés. Ainda pensei tirar uma
fotografia. Que ideia, e segui.
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