terça-feira, 21 de outubro de 2014

livros nas pessoas e na cidade


Deixei o trilho e subi a pequena elevação de terra e relva fina e deparei com o homem que lia à sombra da ponte Vasco da Gama. Se alguém vai correr para ali, também pode ir ler para ali, parecia dizer o nosso espanto um ao outro. O sítio é fresco, como senti logo nos pés, aliviados subitamente por um orvalho que atravessou os ténis, um alento no calor absurdo de quase novembro. O homem estava sentado numa cadeira de praia, daquelas às quais a portabilidade retirou muito pouca dignidade, ao ponto de serem ainda, de facto, cadeiras. Tinha encaixado entre o colo e o braço da cadeira um jornal ou vários. A cabeça curvada de lado, num gesto que é uma graça moldada pela sobreposição do tempo com o tempo passado a ler. Ergueu ligeiramente a cabeça, momento concedido ao tal pequeno espanto quando me viu, e voltou à leitura de Piketty, a edição portuguesa acabada de sair de “O Capital do século XXI”. Eu não tive outro remédio que não fosse continuar a correr com o fresco nos pés. Ainda pensei tirar uma fotografia. Que ideia, e segui.

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