“Esta nova caça às sexualidades
periféricas prova a incorporação das perversões
e nova especificação dos indivíduos. A
sodomia – a do antigo direito civil ou canônico – era um tipo de ato interdito
e o autor não passava de seu sujeito jurídico. O homossexual do século XIX
torna-se uma personagem: um passado, uma história, uma infância, um caráter,
uma forma de vida; também é morfologia, com uma anatomia indiscreta e, talvez,
uma fisiologia misteriosa. Nada daquilo que ele é, no fim das contas, escapa à
sua sexualidade. Ela está presente nele todo: subjacente a todas as suas
condutas, já que ela é o princípio insidioso e infinitamente ativo das mesmas;
inscrita sem puder na sua face e no seu corpo já que é um segredo que se trai
sempre. É-lhe consubstancial, não tanto como pecado habitual porém como
natureza singular. É necessário não esquecer que a categoria psicológica,
psiquiátrica e médica da homossexualidade constituiu-se no dia em que foi
caracterizada – o famoso artigo de Westphal em 1870, sobre as ‘sensações sexuais
contrárias’ pode servir de data natalícia – menos como um tipo de relações sexuais
do que como uma certa qualidade da sensibilidade sexual, uma certa maneira de
inverter, em si mesmo, o masculino e o feminino. A homossexualidade apareceu
como uma das figuras da sexualidade quando foi transferida, da prática da
sodomia, para uma espécie de androgenia interior, um hermafroditismo da alma. O
sodomita era um reincidente, agora o homossexual era uma espécie.
Michel Foucault, História da
Sexualidade, volume 1, a vontade de saber, Edições Graal
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