Distúrbios elementares pela Sónia Ferreira, que me mandou este 'postal' da Turquia, que eu lhe pedi para partilhar. Obrigada.
Por Sónia Ferreira, da imprensa livre.
A Turquia é uma sauna. Os turcos têm uma obsessão pelo abafo e eu senti-me como uma nórdica em Portugal. Um exagero de aquecimento, caras arrepiadas quando lá fora apenas se sentia uma brisa fresca, um caso de estudo estes turcos. Fiquei impressionada com toda a experiência. Não apenas com os palácios e mesquitas, com o contraste entre abundância e delicadeza, mas com a noção de um país que se sustenta e se renova autonomamente. Na Turquia, que também passou pela purga do FMI, as cidades alargam-se. Fazem-se túneis, estradas, casas, o desemprego está abaixo dos 10 por cento e a descer. Os responsáveis políticos falam em "vamos fazer" e "vamos construir" com tamanha naturalidade que senti nascer no peito um sentimento de pena pelo meu país. Somos pequenos e não temos dinheiro. E de receio, pela Europa que deixamos que aconteça neste momento. Nações estraçalhadas pela ganância de um sistema autofágico, ausência de política, o nada. Na Turquia, debaixo de um regime estranho e de discurso perverso, os direitos das mulheres sofrem retrocessos. Os direitos civis e as liberdades estão longe de cumprir os padrões ocidentais, para nós elementares. Soube que a Turquia está no topo da lista de países com mais jornalistas presos. Há dezenas de jornalistas presos, sobretudo na sequência das manifestações, sobre os quais recaíram acusações falsas de pertencerem a redes criminosas de droga ou de "terrorismo". Bom, no ministério da Defesa Nacional, a assessora perguntou-nos se eramos da "free press" por isso fiquei com dúvidas sobre o estatuto da imprensa na Turquia. Contam-me que uma jornalista foi despedida na semana passada por usar uma camisola que o primeiro-ministro classificou como imprópria. Digo perverso um discurso de um primeiro-ministro que usa o argumentário do ocidente para justificar a islamização do Estado, aos poucos. Diz ele que se a maioria da população é muçulmana, então deve respeitar-se a democracia e dar-se expressão à maioria. A democracia assim esvaziada numa cápsula formal. Na Turquia, o vermelho por todo o lado. Também no raki, a bebida nacional, e mesmo nas romãs, enormes, expostas abertas nas pequenas bancas na praça à hora do pequeno-almoço. O vermelho que forra a sala em que o sultão recebia os altos embaixadores de outros reinos. Uma nação que preza o poder e o exibe, apenas nisto despudorada, nas bandeiras que esvoaçam pela cidade sobre as nossas cabeças.
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