quinta-feira, 29 de agosto de 2013

fighting for the dream





Um cristão deve ser grato. Para uns é mais fácil do que para outros. Para mim, é fácil, sou uma privilegiada em muitos aspetos. E estou profundamente grata por este ano ter podido pisar o mesmo chão que um dos meus heróis, Martin Luther King Jr, Dr. King, como respeitosamente é chamado. Não só estive em Washington onde há 50 anos ele proferiu o discurso que hoje se lembra, como tive a graça de ter estado em Montgomery, no Alabama, a cidade onde Dr. King emergiu como líder na luta pelos direitos cívicos nos Estados Unidos. O Alabama fica no Sul dos Estados Unidos, onde a capacidade de um cristão afro-americano em ser grato era naquela altura desafiada a todo o momento. Como era desafiada a capacidade de resistir pacificamente. A resistência pacífica aprendia-se, aprende-se, em aulas. Ali, “dar a outra face” não era um chavão usado para aborrecer cristãos. “Dar a outra face” era lutar sem usar a violência. Qualquer homem (e mulher) bom sabe que “dar a outra face” é uma coisa que se faz, embora normalmente não se fale nisso. A forma como a religião foi usada para subjugar e dominar está sobejamente documentada, e como foi usada para lutar pela justiça e a igualdade sociais, também. Martin Luther King e o movimento pelos direitos cívicos são indissociáveis do conceito de amor cristão. Descrevi, no blogue que mantive durante a viagem, como Montgomery é ainda uma fratura exposta. E não foi apenas no Sul profundo que vi a ferida aberta. Em Washington enquanto servi comida a sem-abrigo por umas horas testemunhei que praticamente todos os homens que ali foram jantar eram afro-americanos. Em Pittsburgh, na Pennsylvania, estive uma manhã num tribunal e todos os homens que passaram por mim algemados eram afro-americanos. Também em Pittsburgh, descobri que o facto de serem homens não era nenhuma coincidência. A questão de género dentro da desigualdade racial nos Estados Unidos coloca-se ao contrário. É aos rapazes que é mais difícil permanecer na escola, ascender, sair da sua circunstância de pobres e negros. As raparigas afro-americanas são mais bem-sucedidas a agarrar-se a todas as pequenas oportunidades que têm. Conheci o trabalho da Fundação Heinz no estudo e combate a esta realidade. Foi ainda em Pittsburgh que almocei com o juiz Williams, um homem encantador, um afro-americano, membro do Partido Democrata, que um dia incendiou a cidade ao dizer que não fazia acordos para livrar meninos brancos da cadeia porque isso nunca acontecia com os adolescentes negros. Depois do almoço, de visita ao seu gabinete, quase à saída, deixou cair: “O meu avô limpou casas de banho neste tribunal”. E nós desconcertados. O sonho de Dr. King cumprido em duas gerações. Mas foi no Alabama que mais me emocionei. Quando me emociono dificilmente guardo isso para mim, parece uma maldição, às vezes, mas não ali. O entusiasmo e as lágrimas grossas que não consegui evitar espelharam nos olhos de quem me recebia o amor que cumpre Martin Luther King todos os dias. É com amor que ali lutam diariamente, ainda hoje arriscando as suas vidas, no cumprimento de um sonho. O sonho. O pendão no Memorial pelos Direitos Cívicos lá estava: “The march continues”.

Sem comentários:

Enviar um comentário