quarta-feira, 27 de julho de 2011

trilogia de Barcelona, livro dois

Costumava sentar-me no telhado, estupefacto com a loucura de tudo aquilo. Das janelinhas do observatório via-se num raio de diversos quilómetros: conjunto após conjunto de edifícios altos e esguios, cúpulas de vidro e fantásticos telhados ondulados, com reluzentes telhas verdes e cor de cobre; para leste, o azul pálido e cintilante do mar – o primeiro vislumbre que eu tinha do mar desde que chegara a Espanha. E toda a enorme cidade de um milhão de habitantes bloqueada numa espécie de inércia violenta, num pesadelo de barulho sem movimento. As ruas estavam desertas e nada acontecia além dos jorros de bala cuspidos das barricadas e das janelas protegidas por sacos de areia. Nem um veículo em movimento nas ruas; aqui e ali, ao longo das Ramblas, os elétricos permaneciam imóveis onde os guarda-freios os tinham abandonado no começo da luta. E, constantemente, o barulho diabólico ecoando de milhares de edifícios de pedra, como uma chuvada tropical. Crack-crack!, ratatá!... Umas vezes diminuía, reduzido a meia dúzia de tiros, e outras acelerava, numa fuzilaria ensurdecedora; mas nunca parava enquanto durava a luz do dia e no alvorecer seguinte recomeçava, pontualmente.



George Orwell, “Homenagem à Catalunha”, Antígona.

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