(…)
Não há uma coisa que seja verdadeira. Tudo é verdadeiro. Da mesma forma que os aviões são belos, sejam os nossos ou os deles. E são o Inferno.
(…)
Sentia-se perfeitamente consciente e absorveu com os olhos tudo quanto tinha diante de si. Ergue-os para o céu. Boiavam no alto grossas nuvens brancas. Com a mão apalpou as agulhas de pinheiro que atapetavam o chão e depois a casca do pinheiro atrás da qual se deitara. Depois arrumou-se o melhor que pôde, os cotovelos fincados na caruma, e encostou o cano da metralhadora ao tronco da árvore".
“Por quem os sinos dobram”, Ernest Hemingway, Livros do Brasil.
Segóvia, Espanha, Fevereiro de 2009
Encontrámo-nos desfasados no tempo. Mas refeitos por ele. Agora que li o teu livro, Pai, é muito difícil não escrever uma coisa destas. Que disponha de mim e eu fique tão à mostra, e que isso não seja uma coisa má. Talvez para quem leia, mas realmente não quero saber. Tu não tiravas os olhos do livro e agora entendo tão bem. Agora sei-o por dentro. Nas paredes internas desta história sente-se a humidade leve daquelas noites na praia. Tu a ler “Por quem os sinos dobram”, eu a ler outra coisa qualquer. Nós a ler ao desafio. As pessoas fazem coisas estranhas em família. E a nossa é aquele Verão, como a ponte do livro era toda a República. Ganhar a Guerra naquele combate, naquela ponte. Ganhei-te, assim, com não sei quantos Verões de distância.
Agora podia dizer-te como Segóvia é bonita. Pensar em ganhar Segóvia devia ter sido qualquer coisa, sim. Se há espaço numa guerra para cidades às quais se quer bem. Por acaso até há, basta ver a saudade com que Robert Jordan, aquele Hemingway tão mal disfarçado, fala de Madrid.
Ponho-me a pensar naquilo que no livro te pode ter desconfortado e se o terias dito só a mim. Gostava de o ter discutido contigo. Mas o que é que eu estou para aqui a dizer? Discuti-o contigo agora.
A República era aquela ponte. E foi preciso um americano para o contar tão bem. Tinha que ser. “Isso? Isso eu já vi há trinta anos na América”. Eu e a Mãe a rir, a adivinhar a resposta sempre igual a tudo o que fosse uma novidade. Na América. Esse amor e ódio. Mas era amor por viajar, conhecer e falar de uma coisa que se pode abertamente criticar.
Na altura, já sabia que não devia perguntar por quem os sinos dobram. Dobram por ti. Dizê-lo a sorrir, foi para isso que esperei não sei quantos Verões.
*"Deixa-me dar-te o Verão ", poema de José Tolentino Mendonça em "De Igual para Igual", Assírio e Alvim.
Já fez uma lista com todos os livros com referências à Guerra Civil Espanhola que você leu?
ResponderEliminarFaz e depois me conta :)
*Gostei da foto. Boas lembranças.
Foram poucos, apesar de tudo. Mas "Por quem os sinos dobram" é, até agora, o melhor. :) E tudo começou com os teus "Girasoles ciegos" e os livros que comprei naquela livraria linda em Segóvia :)
ResponderEliminarBeijinhos.