quinta-feira, 1 de julho de 2010

Um e os outros

O comboio estava cheio. De pé, uma nuvem de cabelos pseudo-compridos, todos a pender para o mesmo lado. O olho esquerdo daqueles rapazes estava quase fechado naquele esforço de disciplinar o cabelo. Ainda ficam com problemas de visão. Ou desequilibram o comboio, pensei. Uma geração de rapazes tortos e vesgos pela força do cabelo para um só lado. Riam-se muito, naquele contentamento de estarem todos juntos e serem todos parecidos. A algazarra era sofrível, mas ainda a querer dizer que provavelmente odiavam os pais. Aquele ódio metódico dos adolescentes aos progenitores. Ridículo, tantas vezes. Em Algés, o comboio despovoou-se ligeiramente. O suficiente para ver o rapaz sem cabelo. O rosto baço, a forma da cabeça perfeitamente definida. Olhos totalmente descobertos. Uma presença quase nua. Ao lado, a mãe. Ele ouvia música e ia-lhe passando os auscultadores à medida que, imagino, mudava de tema. Ela opinava, sempre a sorrir. Ele sorria também. Ao som do que deve ter sido uma música mais agitada ou apenas engraçada, a mãe deitou a cabeça para trás numa gargalhada.
O rapaz sem cabelo e a mãe divertiam-se como se não houvesse mais ninguém. Cais do Sodré, estação terminal. Ao sair, deram as mãos por um momento. Esqueci-me dos rapazes dos cabelos uni-penteados. Já não estavam. Devem ter saído em Santos.

1 comentário:

  1. É bom ver rapazes e moças que conseguem fugir da massificação chata que acontece na adolescência. Acredito sempre que eles farão a diferença quando adultos...ou não. :)

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