quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A narrativa da violência

(26 mulheres mortas em Portugal por maridos, ex-maridos, namorados, ex-namorados, companheiros, ex-companheiros. Só este ano. E os números não são fiáveis. Terão sido mais).

Os nomes dados às coisas influenciam a forma como elas aparecem aos nossos olhos. Se formos jornalistas, carregamos a responsabilidade de fazer “aparecer” uma coisa aos olhos de muitas pessoas. Estamos, em última instância, a “dirigir” o olhar do leitor, ouvinte, telespectador. “Violência doméstica” não é o mesmo que “violência de género”, que também não é bem o mesmo que “violência machista”. Mas a responsabilidade aumenta quando saímos do domínio dos nomes e passamos à forma como se contam as histórias. E a História da violência contra as mulheres está minada por histórias. Fórmulas narrativas de cordel que justificam aquela violência. Justificam pelo ciúme, pelo “amor”, pela “paixão” - tantas vezes, aliás, são ainda chamados de “crimes passionais”. Um texto assinado por Paulo Moura no suplemento P2 do jornal Público de hoje sobre a morte de uma jovem em Viseu, alegadamente às mãos do ex-namorado, conta aquela que terá sido uma “história marcada por um amor excessivo”. O título dessa “história”: “A morte em vez da reconciliação”. Enquanto em nome de uma “história” se confundir amor com humilhação, violência e morte, não quero mais ler estas “histórias”. Dêem-me só os factos. Uma mulher foi morta por um homem com quem teve ou tinha uma relação. O resto são “histórias” ao serviço de agressores, histórias que também maltratam vítimas em busca de lucidez. Em nome das mulheres que ainda não morreram e lutam para sair do ciclo da violência, não me dêem mais historias de “amor”.

2 comentários:

  1. Deixo-te o link da programação especial da RTVE para a semana "Concienciados con la igualdad de género".
    http://www.rtve.es/noticias/concienciados/igualdad-genero/

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  2. Obrigada, querida. Vou tentar assistir, embora a RTVE que eu tenho é somente de notícias, espero que passe... Besitos ;)

    P.S.: Acompanhei a votação da nova lei da interrupção voluntária da gravidez. Viva España!

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