“Não só uma canoa, canoas. E uns
vários aviões espalhados. Não é como se alguém pudesse culpá-la pelo complexo
de cidade-dormitório que a persegue. Até porque toda a capital pede, por
definição, uma órbita de cidades-satélites. A síndrome de cachorro de rua
acompanha: a eterna pergunta do que é ser um cidadão daquela cidade. Em São
Leopoldo, são descendentes de alemães. Em Porto Alegre, o centro do universo,
mas e ali?
A cidade que era um espaço vazio
ganha um trilho de trem, e assim ela vira uma Cidade. E o que une as pessoas é
um trilho de trem que concomitantemente a divide. Depois, uma rodovia, com a
mesma função. Dois riscos quebrando a cidade no meio, forçando passarelas, ligações
e pontes.
Não é como se alguém pudesse
culpar uma pessoa específica, o prefeito, o governador, o presidente, o tio da
padaria. É assim que as coisas são. As demandas – as necessidades – das pessoas
tornam a cidade o que ela é. O que as pessoas realmente usam na cidade,
encontram.
A cidade não pode narrar sua
versão dos fatos. A cidade não pode dizer que os benefícios que ela traz são apenas
tarefa cumprida, enquanto os problemas são problemas. Não pode insistir no fato
de que resistiu a duas enchentes. Não é como se alguém pudesse culpar a cidade
em si pelo seu símbolo ser um avião, e o nome ser canoa”.
Luisa Geisler, “Luzes de
emergência se acenderão automaticamente”, Alfaguara, Rio de Janeiro.
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