quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

“Não só uma canoa, canoas. E uns vários aviões espalhados. Não é como se alguém pudesse culpá-la pelo complexo de cidade-dormitório que a persegue. Até porque toda a capital pede, por definição, uma órbita de cidades-satélites. A síndrome de cachorro de rua acompanha: a eterna pergunta do que é ser um cidadão daquela cidade. Em São Leopoldo, são descendentes de alemães. Em Porto Alegre, o centro do universo, mas e ali?
A cidade que era um espaço vazio ganha um trilho de trem, e assim ela vira uma Cidade. E o que une as pessoas é um trilho de trem que concomitantemente a divide. Depois, uma rodovia, com a mesma função. Dois riscos quebrando a cidade no meio, forçando passarelas, ligações e pontes.
Não é como se alguém pudesse culpar uma pessoa específica, o prefeito, o governador, o presidente, o tio da padaria. É assim que as coisas são. As demandas – as necessidades – das pessoas tornam a cidade o que ela é. O que as pessoas realmente usam na cidade, encontram.
A cidade não pode narrar sua versão dos fatos. A cidade não pode dizer que os benefícios que ela traz são apenas tarefa cumprida, enquanto os problemas são problemas. Não pode insistir no fato de que resistiu a duas enchentes. Não é como se alguém pudesse culpar a cidade em si pelo seu símbolo ser um avião, e o nome ser canoa”.


Luisa Geisler, “Luzes de emergência se acenderão automaticamente”, Alfaguara, Rio de Janeiro.


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