quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

2015

O último dia deste ano começou com café fresco. Acabados de moer que foram os seus grãos de mistura frutada de comércio justo do Quénia, não adio mais. 2015 foi o ano em que fiz uma mudança sozinha e fiquei doente, a exaustão a levantar a dúvida sobre aquele nevoeiro frio na marginal às 03:00 da manhã do final de julho. Fiquei recolhida em casa três dias a arrumar livros e a ver a “Casa da Rússia”. “You’re my only country now”. 2015 foi o ano em que atei esse laço e fui à cidade onde os meus pais se conheceram. Moscovo. E só para ser completo, amei-a como se sempre, como se alguma vez. São Petersburgo aborreceu-me, tanta beleza apalaçada que o ruído da multidão turística só tornava mais dourada. Moscovo, sim, dura, castanha, vermelha de sangue, difícil, imensa, narrativa. Vim de São Petersburgo com os poemas do Pushkin e numa banheira de um hotel em Coimbra encontrei o que melhor me explicava a campanha eleitoral que eu estava a cobrir. Exausta.

Isto já foi depois de morreres, querido André. Assim custa muito, escrever. Morrer.

Pushkin na banheira do hotel em Coimbra foi o primeiro momento em que parei para ler e também para fechar os olhos com um livro aberto, ou é assim que me lembro. E São Petersburgo pode ter-me aborrecido mas foi por ti que vi o Hermitage. De dentro do museu a cidade é mesmo bonita e eu enviei-te fotos e depois contei-te como era. Eu estava no Hermitage mas era como se tu estivesses lá estado primeiro e me tivesses contado e eu estava apenas a atualizar-te. Como fazem os amigos que são amigos há muitos anos e visitam as mesmas coisas com intervalos de gente crescida. Há dez anos. Há quinze anos. Isso não vai acontecer connosco. Porque tu morreste.

Foi a fé que confirmei e que às vezes não quis. De onde vem esta paz desolada? Eu quero gritar, não quero aceitar, foram coisas que eu pensei, quando a tremer sustentei uma amiga que caia de dor quando lhe disse que tinhas morrido. A meio dos discursos, em Beja. E nesse dia ainda havíamos de ir para Faro. Estávamos num carrossel.

E não foi só essa aceitação que eu não tinha pedido, que eu não queria mas que estava em mim, como ‘uma vacina que pegou’  - Graham Greene, sim. O ano havia de caminhar para o fim com as coisas a terem a felicidade de um chão. Por coisas digo também os objetos, contentes e pesados nos seus lugares. O cheiro do café acabado de moer esta manhã.

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