domingo, 15 de novembro de 2015

dentes de leite



Recolho da estante com inevitável solenidade o livro para emprestar. Querer dar sendo nosso. Por isso se empresta pouco e se diz que os livros já não voltam os mesmos. Só não voltam os mesmos se correr bem, isso já se diz menos. Na secção dos espanhóis é o segundo. O primeiro são “Os girassóis cegos”, quatro histórias, quatro derrotas. A guerra. “Dentes de Leite” foi o segundo romance em castelhano que li. Comprado com “Os girassóis cegos” na mão, ainda no início, em Segóvia, numa livraria sonhada. O livreiro de sorriso diligente, conversador com moderação sobre o que lhe pedia, literatura da Guerra Civil. A Guerra de Espanha. Ali, perto do local em que se passa “Por quem os sinos dobram”. 

Na capa uma criança pequena vestida de fascista italiano faz a saudação romana. Procuro as marcas e não estão lá. Nem a data, que sempre ponho, nenhum sublinhado. Nada, a não ser uma rúbrica a atestar a propriedade e um eventual marcador: um bilhete do Cine-Casino Paraíso Nazaré. Plateia, 3 euros, taxa de IVA incluída a 5%, a data com o dia impercetível do mês sete do ano de 2002. O caminho que fez para ali chegar toma outra volta, separo o bilhete do livro, sabendo que os anos que separam a Nazaré de Segóvia, de Hemingway, de Mendez e de Pisón não existem. Como não existem sublinhados a lápis para me dizer onde olhar anos depois quando tiro o livro da estante para não ser só meu. E agradeço também a ausência de notas à margem e toda a alvura da palavra impressa em Barcelona. Como num verso que falte a “Futuros Amantes”, o livro que um dia escolhi para ti.

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