Recolho da estante com inevitável solenidade o livro para emprestar. Querer dar sendo nosso. Por isso se empresta pouco e
se diz que os livros já não voltam os mesmos. Só não voltam os
mesmos se correr bem, isso já se diz menos. Na secção dos espanhóis é o segundo. O primeiro são “Os girassóis cegos”,
quatro histórias, quatro derrotas. A guerra. “Dentes de Leite” foi o segundo
romance em castelhano que li. Comprado com “Os girassóis cegos” na mão, ainda
no início, em Segóvia, numa livraria sonhada. O livreiro de sorriso diligente,
conversador com moderação sobre o que lhe pedia, literatura da Guerra Civil. A
Guerra de Espanha. Ali, perto do local em que se passa “Por quem os
sinos dobram”.
Na capa uma criança
pequena vestida de fascista italiano faz a saudação romana. Procuro as marcas e
não estão lá. Nem a data, que sempre ponho, nenhum sublinhado. Nada, a não ser
uma rúbrica a atestar a propriedade e um eventual marcador: um bilhete do
Cine-Casino Paraíso Nazaré. Plateia, 3 euros, taxa de IVA incluída a 5%, a data
com o dia impercetível do mês sete do ano de 2002. O caminho que fez para ali
chegar toma outra volta, separo o bilhete do livro, sabendo que os anos que
separam a Nazaré de Segóvia, de Hemingway, de Mendez e de Pisón não existem. Como não existem
sublinhados a lápis para me dizer onde olhar anos depois quando tiro o livro da
estante para não ser só meu. E agradeço também a ausência de notas à margem e
toda a alvura da palavra impressa em Barcelona. Como num verso que falte a “Futuros
Amantes”, o livro que um dia escolhi para ti.
Sem comentários:
Enviar um comentário