ASCENDENTE ESCORPIÃO
Na noite em que Billy Ray nasceu
(rua 28, cruzamento com a 7, Nova
Iorque)
não havia ninguém dedicado à contemplação
dos gerânios
Havia, isso sim, o som do mundo
que caía
como estalactites múltiplas
sobre as cercanias do hospital
Automóveis, alguns a 90 km/hora,
outros a 30 km/hora
Bombeiros correndo para salvar o
cachorro
preso na escotilha do bote
atracado no Hudson
O imigrante rendendo o caixa na
loja de conveniência
para roubar alguns dólares e
chicletes
Aquele casal na esquina à
direita, os dois chorando,
terminando com razão o arrastado
namoro de cinco anos
Rosa Burns entrando em casa sem
pressa nenhuma,
lançando investidas à fechadura
com a chave muito mais velha
que seu rosto – tremendo,
tremendo, quase desistindo
desse negócio de viver e atirar
no alvo
Havia o camião varrendo todos os pedaços
de lixo da rua
Havia o ruído das fichas de
póquer sendo lançadas
sobre a mesa verde-gasto entre
dedos e fumaça
Alguém gritando, na explosão da minúscula
morte
Alguém cantando a canção sul-americana
Alguém afagando o pescoço do
pombo sem dono
Alguém jogando a bola de ténis
contra a parede do quarto,
repetidamente, repetidamente,
repetidamente
Havia o rádio no on tocando algum barulhinho em onda
média
Havia uma bruxa cozinhando
azevinho & cobre na panela
do apartamento de paredes
queimadas
Na noite do nascimento de Billy
Ray
ao mesmo tempo que ele escutava o
som gelatinoso
da placenta de onde era arrancado
e depois o som da passagem pelo
canal uterino de sua mãe
e depois o som do primeiro toque
em sua cabeça
e depois o som de seu próprio
grito
o grito que inaugura a festa
O mundo se reunia inteiro
entre a rua 28 e a rua 7
o aleluia da existência ocidental:
centenas de homens vergados
fazendo vénia à metafísica
suficiente
que existe nos corredores do
mundo
e se extrapola
até ao infinito lunar
Matilde Campilho
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