domingo, 19 de abril de 2015

desfocar

"Isto é o prazer de Barrett, a sua constante demanda. Projeto Síntese Excêntrica. É um álbum de recortes mental: uma árvore genealógica imaginária, não de antepassados, mas de acontecimentos, circunstancias e estados de desejo.
Está a começar por Madame Bovary apenas porque é o seu romance preferido. Porque tem de se começar por qualquer lado.

É evidente que não leva a lado nenhum. Não concretiza nada. Porém, ele está, pensa, (espera), com esta simples tarefa e estes projetos não almejados e impublicáveis, a fazer progressos. É um funcionário que muda a mercadoria de sítio e isso basta, é precisamente suficiente, para apoiar e contrabalançar estudos que não têm destino conhecido, nem leitores futuros, que não prometem qualquer discurso erudito ou refutação."

Michael Cunningham, A Rainha da Neve,Gradiva

Anseio pelos romances de Cunningham como ansiava pelo episódio de uma novela de Manoel Carlos que passava às 19:00 durante o meu 12º ano. Era um consolo tão eficaz, certo como a sua hora marcada. Estudei tanto nesse ano, desiludi-me tanto com pessoas, e tomei a atitude certa: continuar a estudar. Tudo tinha horas certas, contabilizava as horas de estudo, de sono e de lazer. Praticamente não vi televisão à noite durante esse ano letivo, mas às sete lá estava, naquele sofá desconfortável com braços em ferro de que a minha Mãe só se livrou recentemente. É bom ter um consolo assim.
Nesse ano eu fui o expoente máximo da concentração, do estar focado para conseguir, e se hoje lamento ter perdido anos sem essa determinação, também sei que a desconcentração é boa e devia ser mais permitida. Precisamos dela para ser criativos, para ligar coisas. Só ter tempo para deixar que as coisas se liguem as vai fazer ligarem-se. A desconcentração devia ser mais permitida. Até louvada. 

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