segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

a luta continua


 

O ano começou com a enorme felicidade de termos conseguido colocar o projeto “Famílias, aqui” (literalmente) na rua. Trazíamos estes retratos no nosso coração e era tempo de os darmos a conhecer. O conjunto era representativo o suficiente, embora a diversidade geográfica não esteja plenamente alcançada. Lutámos para ter duas famílias de homens, quisemos que uma mulher independente fosse fotografada com a sua filha, saímos duas vezes de Portugal, viajámos ao Algarve, em todo o lado uma generosidade infinita abriu-nos portas de casas. Aqui, o termo em inglês é melhor, na sua economia sem preconceito, home, em vez de lar (que tem outras coisas lá dentro). A visibilidade feita posição, a política dentro de nós, por causa de nós e por aqueles que como nós precisam dela. O nós não é majestático. É coisa republicana, da igualdade feita no concreto do amor.

A morte de Eusébio fez com que a Câmara de Lisboa retirasse os ‘mupis’, para os voltar a colocar na última quinta-feira, dia da discussão em plenário da Assembleia da República da proposta de referendo do PSD. Se em tudo há absurdo é porque o destino não é para a nossa compreensão. “A vida tem sempre razão”, diz a canção.

 Tenho poucas invejas, a de quem escreve muito bem é uma, só suplantada pela verdadeira inveja, a que nutro pelas fotógrafas e fotógrafos. Elas e eles dizem sem a violência da palavra, mostram o que registaram num clique, que, ingénua, imagino sempre discreto, delicado e elegante, enquanto eu tenho que quase gritar para obter uma resposta e a pergunta tem que ser bem colocada, não pode falhar o verbo nem o ângulo ou a resposta que se quer retirar, mesmo que não se obtenha, vale de muito pouco ou está estragada pela minha falta de inteligência ao colocar a pergunta. Demasiada violência para resultado tão parco. E mesmo que não seja assim (e não é), uma boa imagem do quotidiano tem uma vitória coberta de (merecida) glória. Obtê-la não é fácil, mas parece e isso reverte a favor da sua eficácia.

Estas imagens mostram famílias feitas de sonho e projeto. Como as outras. Quiseram sê-lo. E estão aí. Desprotegidas legalmente, erguem a sua coragem todos os dias, embora haja dias em que a coragem seja necessariamente maior, como a coragem de Fabíola, doente de cancro, que escreveu aos deputados contando-lhes porque é que é fundamental que a outra mãe dos seus filhos o seja legalmente. Tão fácil de entender. É só preciso um coração e a inteligência que o guie.

Na semana passada, aprendi que um coração não chega. Ou é desmesuradamente livre ou sabe que tem de estar ao lado das pessoas e das organizações que lutam pelos direitos fundamentais e não daquelas que (no mínimo, e só nomeio o mínimo) hesitam. Hoje recebi uma mensagem inesperada, sobretudo pelo vocabulário usado pelo remetente, dizia: “a luta continua”. Continua, sim. E é imparável. Não é a falta de convicção que não o seja que me entristece. O que me aperta o coração é pensar que pode não chegar a tempo de tantas e tantos que precisam da mudança hoje, agora. Replico o final do belíssimo(e certeiro) texto que José Soeiro assina no P3: “basta não ficarmos quietos”.

Sim. Não estamos do lado da negação do outro. É um grande alento saber que se faz uma coisa pela positiva. Sim é a resposta mais bonita que se pode dar. E podia dizer “não”, “não passará”, desde logo. O "não" é profundamente necessário e poderá ser igualmente transformador. Mas escolho dizer outra palavra. Aquela que Yoko Ono inscreveu numa instalação que tive o privilégio de ver. Sobe-se uma escada e atenta-se numa palavra escrita num ‘teto’, acho que é preciso uma lupa para se ler, já não me lembro. Sei o que li: “Sim”. E não é “sim”num qualquer referendo homofóbico. É só sim. "De nada adianta ficar-se de fora/A hora do sim é o descuido do não".
A luta continua, sim.
 



 
Fotografias de Ana Nunes da Silva às suas próprias fotografias nas ruas de Lisboa, aqui, Lisboa, Cidade Aberta.

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