À Elsa, claro.
Setembro é o mês das nossas bodas de prata. Há 25 anos o ano letivo era mais tardio, entrado em setembro, quase outubro. Não isolo a data. Fazia calor, a avaliar pelo vestido de peitilho amarelo e os sapatos de vela azuis com soquetes com que estou nas fotografias do primeiro dia de aulas. Sentada ao lado do Luís, fixados pelo Pires fotógrafo. Nós ainda não nos tínhamos conhecido, partes por unir daquele puzzle entregue em pedacinhos em 1986 à professora Isaltina Cardoso. Os bocadinhos haviam de fazer sentido. Há outras bodas de prata a assinalar. Amigos que mantenho, outros que admiro mesmo à distância.
Nenhuma peça se encaixou tão bem como aquela que o jogo aproximou quando um iogurte se entornou junto às minhas pernas. É assim que me lembro. Era um iogurte da UCAL, daqueles que se abriam como um cofrezinho efémero e vinham com colheres de plástico. Ela deixou cair os olhos, num pequeno pânico, para o lanche desperdiçado e ergueu-os logo de seguida. Enormes, verdes, pestanudos. É assim que me lembro.
Com os detalhes aborrecidos que a memória coloca em tudo o que é mesmo importante, isto que escrevo só interessa a mim e à minha melhor amiga. Não quero a síntese nem o efeito. Isto é uma homenagem. Quero gostar de me ouvir. Quero que ela goste de me ouvir.
Foi uma cavalgada de anos. Uns atrás dos outros, anos letivos, férias no Algarve, férias na Nazaré, exames, faculdades, casamentos, nascimentos, ausências, funerais, a dor e tudo o que ainda não nos ensinou, nas também a sabedoria temporária e as canções que a embrulhavam. E as declarações de independência, sempre e de todas as formas. Dominei o cabelo e as sobrancelhas, tirei o aparelho e tive mamas, foi um processo de anos e fiquei melhor, enquanto ela ia arrastando a beleza em movimentos pequenos, como quem ajeita a cauda de um vestido vitoriano.
Parece que aconteceu tudo no caminho para a escola. Num dia que não estivéssemos atrasadas nem estivesse a chover. Mas com frio, porque não abdico das botas e a nossa história passou-se sobretudo no Inverno e nas estações intermédias em que tudo realmente acontece. Já não acabamos as frases uma da outra porque elas já não se escapam assim de rajada. Evitamos as certezas e a sua inutilidade. Mas o orgulho é legítimo. Este é nosso património. Tem 25 em 31 anos de vida. Parabéns.
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