segunda-feira, 11 de julho de 2011

Lagostas, PIIGS e o grande caldeirão

O contexto da parábola legitima-a. Um grupo de mulheres homossexuais janta num restaurante caro de Los Angeles. Conhecem-se há vários anos. São mulheres independentes na verdadeira aceção da palavra. Têm independência financeira e vivem de acordo com as suas opções. São consequentes e não proclamatórias, umas mais politizadas que outras. São feministas, mesmo que a palavra assuste. As coisas são o que são e têm nomes. O jantar está inserido no processo de apresentação de uma mulher recém-chegada ao grupo às restantes. A mulher acabada de chegar de uma cidade pequena sente-se desconfortável perante uma hostilidade sussurrada, dirigida à forma como se veste e age. Apagada durante a maior parte do jantar, em que nem consegue entender como se comem os pratos pedidos, emerge para contar uma curiosidade relacionada com lagostas. Quando se cozinham lagostas fêmeas vivas num tacho não é preciso colocar uma tampa. Pelo contrário, quando se trata de lagostas macho, é necessário impedi-las de organizarem a fuga fazendo uma escada com os seus corpos. No caso das fêmeas é impossível, elas empurram-se umas às outras e morrem. Há um silêncio momentâneo e retomam-se as conversas cruzadas do jantar. O episódio de L Word termina.
A ideia que as relações de amizade entre homens só conhecem a solidariedade de laços forjados em jogos de futebol ou de rugby, enquanto as mulheres se apunhalam pelas costas com tesouras de costura é falsa. Tenho a felicidade de o saber. Mas a pobreza da generalização não me inibe de reconhecer que muitos ambientes maioritariamente femininos estão carregados de uma enorme violência, com dinâmicas de grupo dolorosas, fundadas em pequenas superficialidades assassinas. As mulheres são, tantas vezes, as maiores inimigas de si próprias, quer numa incorporação acrítica de papéis pré-estabelecidos, quer na forma como minam o caminho umas às outras. Se parece simplista é porque, infelizmente, demasiadas vezes, o é. Mas a história das lagostas tem-me vindo à cabeça não pela discutível ilustração deste também estereótipo acerca das relações entre mulheres, mas por causa da economia e da crise das dívidas soberanas. Tudo nos leva para lá estes dias, até um episódio de L Word.
Impressiona ouvir portugueses a dizer que os gregos tinham benefícios excessivos e eram uns preguiçosos. Ingenuamente ignorarão que algures na Alemanha ou na Holanda descrevem os portugueses da mesma forma? E os espanhóis, e os italianos? Que mentem sobre o número de dias de férias que gozamos e a quantidade dos nossos feriados? Saberão que criaram para nós, periféricos, uma designação porcina? Chamam-nos PIIGS. Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha. Oik, oik.
Impressiona ver trabalhadores de empresas privadas, mal pagos, esforçados, explorados mesmo, diminuírem outros trabalhadores, mal pagos e esforçados do setor público, porque os segundos conservam escassos direitos que foram já roubados aos primeiros.
É um triste espetáculo este de pobres que se esbofeteiam com inveja e irracionalidade. O lume brando foi fervendo este caldo. Não acredito na simplicidade branco e negro das histórias, de quaisquer histórias, mas o discurso de trabalhadores a esgrimirem argumentos de banqueiros é dos piores simplismos que existe. Pensemos um pouco ou seremos, não porcos, mas lagostas cozidas vivas.

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