sábado, 7 de agosto de 2010

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Na minha primeira aula de jornalismo aprendi que as palavras devem encolher, porque podem sempre encolher. Foi na primeira aula mesmo - apesar de já no terceiro ano - dada pelo professor Nelson Traquina, em que abandonávamos a semiótica e a semiologia (de certeza que há uma diferença, mas esqueci, felizmente), depois de toda a teoria do texto, da imagem e da representação. Era uma aula em que escrevíamos uma notícia. À séria, sem floreados, ao melhor estilo de agência. Pedia-se um texto seco, factual, defendido, escorreito. Parecia uma coisa horrível. E era, porque quase todos o desprezávamos e nenhum estava em condições de o fazer. Só havia notas positivas para notícias publicáveis. Houve uma, de uma aluna que estava a fazer a cadeira como opção, uma intrusa de fora das Ciências da Comunicação. Humilhação geral. O que nos escapava era que chegaríamos ao final do semestre a saber escrever uma notícia, essa coisa que todas as teorias tinham ajudado o nosso snobismo juvenil a odiar.
Acabei por aprender a amar a linguagem simples e não apenas quando está ao serviço do jornalismo. Eu já amava, só que não sabia e o carinho que se tem pelos gostos adquiridos entranhou-se. Mas a língua inglesa já me tinha dado isso, andava era distraída. Em inglês, até aquilo que é maior é mais pequeno. A palavra “home”, por exemplo. O equivalente em português pode ser “casa” ou mais aproximadamente “lar”. Gosto mais de “casa”, mas com o sentido de “lar”, só que “lar” também tem significados feios. Ou seja, tenho que estar a explicar isto, enquanto que em inglês não me desdobro em nenhuma exposição de motivos cansativa. Não ouvimos já num filme um qualquer protagonista em desespero ou complicação dizer que aquilo que quer é simplesmente “to go home”? E entende-se perfeitamente. Pode estar num filme de série Z ou numa obra-prima, num filme foleiro de ficção científica ou no mais "indie" de Sundance. A casa como um mundo ao qual se quer regressar. Uma entidade, que é quase, mas é mais, aquilo que os arquitectos chamam de “escultura habitável” para designar o seu interior. É um resquício da poesia que julgam ter preferido ao não serem engenheiros, mas que evitaram também ao não serem escultores. Estão ali naquele meiozinho maravilhoso.
Sem qualquer meia medida, “home” diz tudo. Em 2001, Manoel de Oliveira realizou um delicioso (e curto) filme chamado “Vou para casa”. É espantoso como se perdeu tudo na tradução para o francês, absolutamente literal. “Je rentre à la maison” é uma coisa que, em poucas palavras, diz quase nada. Em português, parece um bocadinho zangado e precisa do contexto. Em inglês, vive sozinho, num sentido claro que não abdica de ser complexo. É só simples. E doce. Como ir para casa.

2 comentários:

  1. e sentirmo-nos em casa. aqui, ao ler-te.

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  2. Ohh, assim não vale, que eu fico comovida. Ainda por cima vindo de um homem que escreveu a notícia (entrevista) que incendiou o verão! Foi uma grande malha, Miguel Marujo. Parabéns, que ainda não tos tinha dado. Beijinhos.

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