quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Olhem para mim!

“É pena, sem dúvida, que uma parte tão grande do trabalho criativo esteja tão intensamente relacionada com a personalidade daquele que o produz. É triste, embaraçoso e pouco interessante que as emoções que sacodem o artista a ponto de lhe exigirem expressão, cumulando-a de uma certa dose de luz e força, estejam quase sempre enraizadas, por muito modificadas que apareçam à superfície, nas preocupações pessoais, por vezes singulares do próprio artista (…)
Vi uma vez um grupo de rapariguinhas num passeio do Mississípi, todas embonecadas com roupas herdadas das mães e das irmãs, velhos e andrajosos vestidos de baile e chapéus de plumas e sapatos de salto alto, simulando uma conversa de senhoras num salão, num perfeito mimetismo da elegante efusividade e afectação sulistas. Mas uma delas sentia-se insatisfeita com a atenção prestada à sua arrebatada representação pelas restantes, demasiado concentradas nas suas próprias representações; por isso, ela estendeu os seus braços magros, atirou para trás o seu pescoço magro e gritou para os céus alheados e para as suas companheiras igualmente absortas, “Olhem para mim, olhem para mim, olhem para mim!”. Então, os saltos altos da mãe fizeram-na desequilibrar-se e caiu no passeio, num grande e emaranhado pranto de sujo cetim branco e tule cor-de-rosa rasgado. Mesmo assim ninguém olhou para ela. Pergunto-me se essa rapariga não será, hoje, uma escritora sulista.
(…) Talvez esta seja uma parábola de todos os artistas. E nem sempre tropeçamos e caímos num emaranhado de roupas que não nos servem. Porém, é bom estarmos conscientes desse perigo e não nos satisfazermos com a procura de atenção, sabermos que, do nosso lirismo pessoal, do nosso histrionismo de passeio, algo tem que ser criado que atraia não só observadores mas também participantes no espectáculo”

Tenesse Williams, introdução a “Um eléctrico chamado desejo e outras peças”, Relógio D’Água.

Há quem inveje os artistas por terem esta alegada permissão à birra pública. Até parece que há quem queira ser artista só para poder ter direito à birra pública. Mas isto começa com um engano, parece-me. É que nem aos artistas o devemos permitir. Não o devemos incentivar, pelo menos, sob pena de nos devolverem uma arte menor. Não há alternativa ao trabalho. E, vá, uma birrinha de seis em seis meses, mas sem amuar.

Vivien Leigh, em "Um eléctrico chamado desejo", de Elia Kazan.

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