“As vizinhas eram mesmo gordas e patuscas. Tinham bustos opulentíssimos, braços espectaculares e colares de brotoejas. Passavam o dia nas janelas, fiscalizando os moradores da rua e suspirando exclamações como ‘Deus é grande!’ e ‘Nada como um dia depois do outro!’. Seus maridos eram magros, asmáticos, espectrais e, à noitinha, postavam-se nas soleiras com seus pijamas de alamares e chinelos, esperando o garoto cujo pregão já se ouvia desde a Maxwell: ‘Eu sou um pobre jornaleiro/ Que não tenho paradeiro/ Vivo sempre a sofrer’. E puxava um fôlego extra para gritar: ‘Olha ‘A Noite’!’ Era também uma vizinhança de solteironas ressentidas, de adúlteras voluptuosas e, não se sabe por que, de muitas viúvas – machadianas, só que com gazes enroladas nas canelas, por causa das varizes.
Era também uma vizinhança que tossia em grupo. Não que fosse uma comunidade de tísicos. O brasileiro é que tossia muito naquele tempo. Qualquer agrupamento numa sala era um pânico. Começava por um solitário pigarro. Alguém aderia. Logo se juntavam as tosses secas, os chiados de asma, os assovios das bronquites e, num instante, a sala inteira era um festival de expectorações”.
E foi na observação desta vizinhança estranha e normal do cotidiano carioca de então com a sensibilidade que só os gênios tem de tirar poesia da simplicidade,que surgiu um dos escritores mais brilhantes que o Brasil já produziu. Nelson Rodrigues com a maravilhosa "Vida como ela é ". Indiscutivelmente uma obra prima que enche a todos nós brasileiros de orgulho!
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