Este é um consenso do qual
gostava de participar. Antecipei a estreia de “As mil e uma noites”, de Miguel
Gomes, com a ansiedade de quem queria muito cinema vindo dos dias da crise. E
eu gosto tanto de gostar. Mas pelo menos o primeiro volume da trilogia põe-me
de fora da ovação consensual.
Na sequência inicial, que mistura
a invasão da vespa asiática com o encerramento dos Estaleiros Navais de Viana
do Castelo, um rancho folclórico atua numa praça de Viana e qualquer coisa faz
curto-circuito naquela sequência. São os bailarinos. Vestem fato-macaco. São
operários que fazem par com as minhotas. Excessivas como só elas, ali estão aquelas
mulheres só ouro e vermelho e amarelo e negro, e mais ouro, tudo em demasia, a
dançar com homens de fato-macaco. Pensei: que coisa notável, bela e
desconcertante. E desejei: vai por aí. Mas não foi.
Para cinema aparentemente
militante, tive a sensação que Miguel Gomes se colocava demasiado longe. Uma
distância muito grande, seja qual for a classificação que se possa querer fazer
ou não fazendo nenhuma. Recebi muitas das escolhas narrativas como efeitos,
rodriguinhos. Sobretudo, não gostei da forma como aquelas pessoas foram
retratadas. E foi por isso que dei comigo a perguntar “mas porque é que não foi
o João Canijo a fazer um filme sobre a crise?”. Talvez ainda vá a tempo. Pensei
em João Canijo porque ele trata sempre as suas personagens com um brutal
respeito. Não há distância, há imersão, ele é um deles ou pelo menos está
efetivamente entre eles. As personagens de João Canijo são sempre
simultaneamente reais e ficcionais e os seus filmes na fronteira em que tudo se
passa, entre o documentário e a ficção. E João Canijo consegue sempre intelectualizar.
No seu cinema está a vida de uma mulher que trabalha numa casa de alterne, os
dias de um pescador, de um emigrante português em França, uma mãe do Bairro Padre
Cruz. Sem que deixem de ser quem são. Não é falta de intelecto. É respeito e
pouco efeito. Venha o segundo volume e mais filmes sobre a crise. Do João Canijo, da Teresa Villaverde. Venham.
Não creio que seja um cinema militante, o de Miguel Gomes. É-o, com certeza, um cinema de profundo amor pelas personagens - atrevo-me a dizer, profundo amor a nós, homens e mulheres de Portugal (perdoai-me o riff à político). Encontro nos filmes de MG uma imensa sensibilidade ao modo como se aproxima de cada personagem (de como se aproxima de cada um de nós). A ser militante, penso, será uma militância pelo cinema enquanto espaço de desejo.
ResponderEliminarTambém por isto e, confesso, pela veia surreal que transcorre n'As 1001 Noites já estou aqui que nem posso para ver os outros dois volumes.
Canijo, sim. O do Bairro do Padre Cruz é brilhante. Sem a condescendência (pseudo-)neo-realista dos bandos de meninos do Príncipe Real (pardon my populismo) a filmar os pobrezinho. Com uma tremenda dignidade em cada personagem que (como nós também) faz pela sua vidinha o que pode fazer da sua vidinha.
Mas o Gomes é outro riso.
jac
Dou que não seja militante. Talvez seja o surreal o meu impedimento. Não dele. Aguardo os próximos tomos.
ResponderEliminarClaro, fala-se de obras, não de pessoas. Uma justificação pelas obras.
ResponderEliminarjac